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Sócrates e Fiorentina: relembre a controversa e histórica passagem do meia pelo time italiano

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Em dezembro deste ano, completam 13 anos desde a morte do “gênio da bola” – nas palavras de ninguém menos do que Antero Greco –, Sócrates. O meia-ofensivo fez a festa da torcida brasileira, com passagens pelo Corinthians e pelo Flamengo. No entanto, há uma fase de sua carreira que não é que muita gente não lembre, apenas tem quem prefira deixar de lado. E é justamente o tempo em que Sócrates esteve na Fiorentina.

Paraense nascido em Belém, nome de filósofo e formação em Medicina: Sócrates conquistou realmente a atenção do mundo. Não à toa, foi eleito pelo jornal britânico The Guardian como um dos seis atletas mais inteligentes da história. 

Sua carreira começou no Botafogo de Ribeirão Preto, onde podia conciliar o futebol com os estudos. Aos 24, após se graduar como médico, enfim obteve permissão do pai para ir à elite do futebol. Entre São Paulo e Corinthians, o Timão levou a melhor. Ou melhor: ofereceu uma quantia generosa pelo passe do meia. 

Entre 1978 e 1984, o Doutor mostrou seu futebol-arte junto ao time paulista. Até que, na metade daquela temporada, uma notícia pegou a todos de surpresa: “Sócrates na Fiorentina”, era a manchete que, na época, o caderno Esporte do Estadão estampava. 

O jogador ficou por apenas uma temporada no futebol italiano, em uma passagem repleta de controvérsias. De volta ao futebol brasileiro em 1986, Sócrates foi para o Rio de Janeiro, onde jogou pelo Flamengo, antes de voltar a São Paulo para defender o Santos e, por fim, o Botafogo paulista mais uma vez.

Década de 1980, quando a Itália era o sonho de todo jogador… 

Foi o saudoso Antero Greco o responsável pelo furo jornalístico sobre a venda de Sócrates à Fiorentina. Contudo, provavelmente nem ele imaginava o que estaria por vir. Mas, antes de falar da passagem basicamente meteórica do Doutor no time italiano, é preciso entender um pouco como estava o futebol na época.

A Itália garantiu seu tricampeonato na Copa do Mundo de 1982. O futebol estava em alta no país, e os clubes investiam alto para trazer os melhores jogadores do mundo para suas equipes. Assim, se tinha um lugar em todo jogador de futebol queria estar naquele início dos anos 1980, era na terra da pizza napolitana.

Para dar uma ideia, na mesma janela de transferência que levou Sócrates para a Fiorentina, Junior foi para o Torino, Diego Maradona deixou o Barça para entrar para a história com o Nápoles, o francês Michel Platini se mudou para o Juventus e até o Milan “importou” atletas de elite ao contratar os britânicos Mark Hateley e Ray Wilkins.

Apesar de o Brasil não ter ido muito além das quartas de final naquela Copa, a classe e o desempenho de Sócrates em campo chamou a atenção do presidente da Fiorentina. Diante do cenário do futebol italiano na época, o brasileiro parecia uma escolha óbvia. A negociação foi longa e difícil, mas, em maio de 1984, a notícia foi oficializada: Sócrates havia sido comprado pela Fiorentina.

Ou é do jeito dele, ou não tem jeito: a chegada de Sócrates na Fiorentina

Não é preciso ter visto ao vivo o futebol de Sócrates e muito menos ser fã do esporte para ver que um anjo parecia dizer ao paraense para ser gauche na vida. Aqui mesmo no Brasil, Sócrates era conhecido por seu comportamento e gostos peculiares — que definitivamente poucos entenderiam.

Afinal, como explicar um atleta de elite, titular da Seleção Brasileira e protagonista de passes incríveis, que fumava? E que ainda encabeçou um dos mais importantes movimentos políticos do futebol brasileiro dos anos 1980, a chamada Democracia Corintiana? Isso sem falar no seu amor pela bebida, um dos responsáveis por sua morte prematura, aos 57 anos.

Pois bem, não é porque Sócrates estava jogando em um time novo, em um país diferente, que ele deixaria de ser quem ele era, certo? Assim, não é de se espantar que o jeito quase beatnik tirasse a equipe técnica do Fiorentina do sério às vezes. Em “Doutor Sócrates – A Biografia”, lançado no Brasil em 2017, o escritor escocês Andrew Downie relata, por exemplo, o primeiro encontro entre o Doutor e o médico do clube italiano.

Diz o biógrafo que, enquanto esperava sua hora de subir na esteira, Sócrates calmamente acendeu um cigarro. Quando questionado pelo médico, respondeu que estava “aquecendo os pulmões” para o exame, arrancando risadas dos seus companheiros de clube. 

Ele conta também que o preparador físico do time, Armando Onesti, era rígido com os atletas, dando-lhes, por exemplo, apenas 20 minutos para comer. Em seguida, ordenava que eles dessem uma volta em torno do campo para acelerar a digestão. Assim, um dia, Sócrates teria deixado a mesa com o prato na mão e dado a volta comendo enquanto caminhava.

Temporada de 1984/85 da Fiorentina é marcada por derrota em campo e crise no vestiário

O início da atuação de Sócrates na Fiorentina foi interessante. Com dois empates e duas vitórias no começo do campeonato, o time realmente mostrava ter condições de lutar pelo título. As demais partidas dos meses seguintes, muitas com resultados positivos, deixaram a torcida otimista. 

Mas um confronto contra o belga Anderlecht deu início a algo que ninguém esperava. O jogo de ida terminou em empate, com o brasileiro marcando o gol. A partida de volta, no entanto, foi um massacre. Os belgas abriram o placar, mas Sócrates conseguiu empatar em um gol de pênalti. No entanto, o segundo tempo foi avassalador, e o Fiorentina perdeu por 6 a 2. Dias depois, nova derrota, agora para a Roma. E aí a coisa degringolou de vez. 

Os jogadores do Fiorentina estavam divididos, e o time entrou em crise devido ao racha interno. Com seu jeito progressista e certo que a divisão só iria piorar a situação, Sócrates não escolheu nenhum lado da briga. Diante disso, acabou sendo rejeitado por ambos. Quando o técnico Giancarlo De Sisti se afastou por motivos de saúde, sendo substituído justamente por Onesti, o Doutor se viu sem apoio na Itália. 

A situação se agravou com a personalidade do brasileiro, que seguia se recusando a fazer qualquer tipo de concessão em nome da equipe. Além disso, Sócrates enfrentava dificuldades de adaptação. Afinal, logo ele, que prezava pela camaradagem, tinha ido parar em uma equipe fria, que se recusava em socializar com ele.

No fim das contas, até o gesto com o braço erguido e punho fechado que Sócrates fez no dia de sua apresentação à torcida pesou contra o brasileiro. Quando uma lesão afastou o Doutor dos campos e Cecconi se tornou o novo ídolo da torcida, não havia jeito: era hora de voltar para casa. 

Estatísticas de Sócrates na Fiorentina

O irmão de Raí ficou no Fiorentina entre metade de 1984 e o ano de 1985. Nesse período, ele entrou em campo defendendo o time de Florença 29 vezes, celebrando oito vitórias e lamentando oito derrotas. Além disso, a equipe empatou outras 14 vezes. Ao todo, o meia marcou oito gols: seis na Liga Italiana e outros dois na Liga da UEFA, registrando uma média de 0,8 gols por jogo.

Junto ao time italiano, o brasileiro não chegou a conquistar nenhum título.