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Tudo sobre o haka, a dança de guerra que o All Blacks faz no rugby

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Não é de hoje que o momento do haka é um dos mais aguardados em partidas de rugby da seleção da Nova Zelândia. O misto de canto, dança e ataque de guerra emociona muitos fãs do esporte. Isso porque o All Blacks se tornou mundialmente famoso por seu “grito de guerra” apresentado antes das partidas. 

No entanto, o haka não é exclusivo dos jogos de rugby, assim como os neozelandeses não são os únicos a ter uma dança cerimonial ancestral. Exemplo disso foi a performance de Dwayne Johnson no filme Velozes e Furiosos: Hobbs & Shaw. O ator, de origem samoana, apresentou uma dança de guerra no longa, e muitos associaram os passos ao haka. 

O próprio Dwayne Johnson, porém, fez questão de esclarecer que não se tratava de um haka e, sim, de um Siva Tau, o canto de guerra da Samoa. A seguir, então, conheça a história, as origens e significados dessa curiosa manifestação cultural Māori.

O que é o haka?

Haka é o nome genérico para as danças de guerra realizada pelos Māori, povos originários da Nova Zelândia. Mas, se, antes, ele era usado para animar os guerreiros no campo de batalha e amedrontar possíveis inimigos, hoje, ele é uma demonstração de orgulho, força e união de uma tribo ou grupo. 

Segundo o folclore Māori, a origem do haka vem de Tane-rore, criança fruto do relacionamento de Tama-nui-to-ra, o Deus Sol, com Hine-raumati, sua esposa de verão — sua outra esposa, Hine takurua, era a de inverno. Tane-rore é o balanço do vento em um dia quente de verão e, na dança, é representado pelo tremor das mãos.

O haka é um importante elemento da cultura Māori. Em tempos antigos, havia hakas com armas, mas, hoje em dia, os mais comuns são os haka taparahi, ou seja, sem armas. 

O haka e o rugby

Jogadores fazendo haka

Por mais que o haka no rugby tenha se popularizado ao redor do mundo nos últimos anos, ele não é uma adição recente. Isso porque a primeira vez em que uma equipe representativa da Nova Zelândia performou a dança de guerra foi em 1888. 

Na época, os New Zealand Natives — que futuramente se tornariam o All Blacks —, liderados por Joseph Warbrick, participaram de uma turnê pelo Reino Unido e Austrália. Eles foram pioneiros em apresentar o haka antes de suas partidas e, também, em utilizar o famoso uniforme preto do Blacks.

A dança cerimonial voltou a ganhar força nos estádios em 1905, quando o então intitulado Originals All Blacks começou a apresentá-la antes de seus jogos em uma turnê pela Europa. O grupo era formado por jogadores da classe operária neozelandesa, e poucos o conheciam em seu próprio país. No entanto, se tornaram praticamente heróis nacionais após vencerem quase todas as partidas, tendo perdido apenas uma.

A partir de então, o Blacks sempre performava um haka antes de suas partidas de rugby fora da Nova Zelândia. Outro detalhe que poucos sabem é que, a princípio, mesmo com os jogadores ensaiando o haka antes de apresentá-lo, os movimentos não eram tão precisos quanto o que observamos atualmente. 

No entanto, a inclusão da dança em jogos em casa é bem mais recente, começando somente a partir de 1986. Os jogadores Wayne Shelford e Hika Reid, ambos de origem Māori, tiveram papel importante não apenas na introdução do haka em partidas na Nova Zelândia, como também garantiram que a equipe realizasse a dança de forma com a precisão e intensidade de hoje.

Ka Mate: o primeiro haka do All Blacks no rugby

O haka apresentado pelo New Zealand Natives, depois pelo Originals All Blacks até hoje, é o Ka Mate Ka Mate. Ele foi composto pelo chefe Ngati Toa Te Rauparaha por volta de 1820, sendo uma celebração da vida sobre a morte. Sua história é bem conhecida entre os povos originários da Nova Zelândia e seus descendentes. 

O próprio site do All Blacks conta isso: 

“Durante um período de conflito, Te Rauparaha estava sendo perseguido por guerreiros de uma tribo rival. Ele foi escondido por Te Wharerangi, de Tuwharetoa, em um poço de kumara (espécie de batata-doce nativa), com a esposa de Te Wharerangi, Te Rangikoaea, sendo orientada a sentar-se no topo. Guiados por seu Tohunga (erudito/sacerdote), os inimigos procuraram por Te Rauparaha. Ao se aproximarem, ele murmurou ‘Ka Mate Ka Mate’ (É a morte, é a morte). Escondido pelos poderes espirituais da comida e da mulher acima, Te Rauparaha não foi descoberto. Então, após seus perseguidores irem embora, ele murmurou ‘Ka ora Ka ora’ (É vida, é vida). Quando os guerreiros finalmente partiram, Te Rauparaha conseguiu sair do poço cantando ‘Tenei te tangata puhuruhuru nana nei i tiki mai whaka whiti te ra’”.

A página explica que existem diversas interpretações para este último verso. No entanto, a tradição oral Māori acredita que Te Rauparaha “estava dando crédito ao poder espiritual de Te Rangikoaea enquanto ele ascendia (Upane, Kaupane) da escuridão do poço para a luz do sol (Whiti te ra! Oi!)”.

Kapa O Pango: um novo haka

Até 2005, o All Blacks performava somente o Ka Mate Ka Mate em campo. Contudo, naquele ano, o time apresentou um novo haka: o Kapa O Pango. Mas, diferente do anterior, o novo haka não é uma dança de guerra e, sim, um grito cerimonial. Ele foi criado por Derek Lardelli, um especialista em cultura e costumes Māori. Na letra, ele celebra não apenas a Nova Zelândia, mas também seus guerreiros de preto — em referência ao uniforme do All Blacks. 

Assim, em agosto de 2005, o novo canto estreou antes da partida de teste das Três Nações entre Nova Zelândia e África do Sul em Dunedin, Nova Zelândia. O Kapa O Pango, porém, não veio para substituir a antiga dança dos guerreiros. Isso porque o Ka Mate ainda é o haka que a seleção neozelandesa mais apresenta antes de suas partidas, enquanto o Kapa O Pango é realizado ocasionalmente, a critério da equipe. 

Como “cantar” o haka

A seguir, veja a letra original dos dois hakas, bem como sua tradução para o português.

Ka Mate Ka Mate
Letra originalTradução
Ka mate! ka ora!
Tēnei te tangata pūhuruhuru
Nāna nei i tiki mai whakawhiti te rā
Ā, upane! ka upane!
Ā, upane, ka upane, whiti te ra!
Eu morro! Eu vivo!
Este é o homem peludo
Que invoca o sol e o faz brilhar
Um passo para cima, outro passo para cima!
Um passo para cima, outro… o sol brilha!
Kapa O Pango
Letra originalTradução
Taringa whakarongo! Kia rite! Kia mau! Hi!
Kia whakawhenua au i ahau!
Hi, aue! Hi!
Ko Aotearoa, e ngunguru nei!
Hi, au! Au! Aue, ha! Hi!
Ko kapa o pango, e ngunguru nei!
Hi, au! Au! Aue, ha! Hi!
I ahaha!
Ka tu te ihi-ihi
Ka tu te wanawana
Ki runga i te rangi, e tu iho nei, tu iho nei, hi!
Ponga ra!
Kapa o pango! Aue, hi!
Ponga ra!
Kapa o pango! Aue, hi!
Ha!
Deixe-me voltar ao meu primeiro suspiro
Deixe minha força vital retornar à terra
É a Nova Zelândia que troveja agora
E é a minha hora! É o meu momento!
A paixão se inflama!
Isso nos define como os All Blacks
E é a minha hora! É o meu momento!
A antecipação explode!
Sinta o poder
Nosso domínio se eleva
Nossa supremacia emerge
Para ser colocada no alto
Samambaia prateada!
All Blacks!
Samambaia prateada!
All Blacks!

Outras danças cerimoniais da Polinésia

Como dito anteriormente, o haka não se limita ao rugby e nem toda dança ou canto cerimonial apresentando antes de uma partida pode ser chamado haka. A seleção samoana de rugby, por exemplo, apresenta o Siva Tau antes de suas partidas. A canção foi comporta para a Copa do Mundo de Rugby de 1991 para substituir a Ma’ulu’ulu Moa, mais lenta e bem menos intimidadora. 

Já os jogadores do Tonga realizam uma dança chamada Sipi Tau. A versão que o time ainda hoje apresenta é de 1994, composta pelo Rei Tama Tu’i Tufahau Tupou IV. No entanto, a sua origem é bem mais antiga. A seleção nacional de Fiji também tem sua dança de guerra chamada Cibi, que data de 1939, quando a equipe foi pela primeira vez à Nova Zelândia.

O haka é pop — e não apenas no rugby!

Com a popularização do haka nas partidas de rugby do All Blacks, a dança passou a protagonizar momentos curiosos e que pouco tem a ver com o esporte. 

Na própria Nova Zelândia, por exemplo, houve um tempo em que eram comuns os flash mobs — aqueles momentos em que um grupo de pessoas começa a dançar em espaços públicos — de hakas. Basta uma busca rápida na internet para encontrar vários vídeos. Em 2016, a gravação de um haka em uma cerimônia de casamento viralizou nas redes sociais, ultrapassando os 32 milhões de visualizações em 48 horas. 

Os próprios jogadores de rugby do All Blacks aproveitaram para utilizar o senso cerimonial do haka fora dos campos. Em 2015, um dos mais famosos jogadores da seleção, Jonah Lomu, faleceu. Em seguida, durante seu funeral, seus colegas de equipe fizeram o haka. Atualmente, existem canais e perfis nas redes sociais inteiramente dedicados ao haka — dentro e fora do rugby.